“O ano da misericórdia é a
oportunidade de ouro para trazer de volta à luz a verdadeira imagem do Deus
bíblico, que não somente tem misericórdia, mas
é misericórdia.
Esta afirmação ousada se baseia no fato de que “Deus é amor” (1 Jo 4,
8.16). Só na Trindade Deus é amor sem ser misericórdia. Que o Pai ame o
Filho não é graça ou concessão; é necessidade: Ele precisa amar para
existir como Pai. Que o Filho ame o Pai não é misericórdia ou graça; é
necessidade, mesmo que liberíssima: Ele precisa ser amado e amar para ser
Filho. O mesmo deve ser dito do Espírito Santo, que é o amor feito pessoa.
É quando cria o mundo e, nele, as criaturas livres que o amor de Deus deixa
de ser natureza e se torna graça. Este amor é uma livre concessão: poderia
não existir; é hesed, graça e
misericórdia. O pecado do homem não muda a natureza deste amor, mas provoca
nele um salto de qualidade: da misericórdia como dom se passa à misericórdia como perdão. Do amor de simples doação se passa para um amor de
sofrimento, porque Deus sofre diante da rejeição ao seu amor. “Eu nutri e
criei filhos, diz o Senhor, mas eles se rebelaram contra mim” (Is 1, 2).
Perguntemos aos muitos pais e mães que tiveram essa experiência se isto não
é sofrimento, e dos mais amargos da vida.”
Até aqui, está
presente o infinito Amor e Misericórdia de Deus. Mas não se fica por aqui.
Continuemos a leitura:
“A ‘justiça de Deus’ é aquela pela qual, por sua graça, nós nos tornamos
justos, assim como a salvação do Senhor (Sl 3,9) é aquela pela qual Deus
nos salva”[2]. Em outras
palavras, a justiça de Deus é o ato pelo qual Deus faz justos, agradáveis a
Si, aqueles que crêem no Seu Filho. Não é um fazer-se justiça,
mas um fazer justos.
Lutero teve o mérito de trazer de volta à luz esta verdade depois que,
durante séculos, pelo menos na pregação cristã, o seu sentido tinha se
perdido, e é isto, principalmente, que a Cristandade deve à Reforma, cujo
quinto centenário ocorre no próximo ano. “Quando descobri isto, eu me senti
renascer, e pareceu-me que se escancaravam para mim as portas do paraíso”[3], escreveu mais tarde o
reformador. Mas não foram nem Agostinho nem Lutero os que assim explicaram
o conceito de “justiça de Deus”; foi a Escritura que o fez antes deles:
“Quando se manifestaram a bondade de Deus e o seu amor pelos homens, Ele
nos salvou, não por causa de obras de justiça por nós praticadas, mas por
causa da sua misericórdia” (Tt 3, 4-5). “Deus, rico em misericórdia, pelo
grande amor com que nos amou, fez-nos, de mortos que estávamos pelo pecado,
reviver com Cristo. Pela graça fostes salvos” (cf. Ef 2, 4).
Dizer que “se manifestou a justiça de Deus”, portanto, é como dizer que se
manifestou a bondade de Deus, o seu amor, a sua misericórdia. A justiça de
Deus não só não contradiz a sua misericórdia como consiste precisamente
nela!”
E depois de afirmar
que a injustiça deve ser derrotada ou eliminada e não ignorada, pois é essa
a verdadeira misericórdia, e de apresentar as razões da morte de Jesus que
foram o imenso amor que tem por nós, acrescentou:
“Não foi a morte do
Filho que aprouve a Deus, mas a sua vontade de morrer espontaneamente por
nós”: “non mors placuit sed voluntas sponte morientis“[5].
Não foi a morte, portanto, mas o amor que nos salvou! O amor de Deus
alcançou o homem no ponto mais distante a que ele tinha se expulsado ao
fugir de Deus, ou seja, a morte.
A morte de Cristo devia ser para todos a prova suprema da misericórdia de
Deus para com os pecadores. É por isso que ela não tem sequer a majestade
de certa solidão, mas é enquadrada, antes, entre dois ladrões. Jesus quis
ser amigo dos pecadores até o fim: por isso morreu como eles e com eles. O
ódio e a ferocidade dos ataques terroristas desta semana em Bruxelas
nos ajudam a entender a força divina contida nas últimas palavras de
Cristo: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23, 34). Não
importa quão grande o ódio dos homens, o amor de Deus tem sido, e será,
cada vez maior. Para nós, é dirigida, nas atuais circunstancias, a
exortação do Apóstolo Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o
mal com o bem” (Rm 12, 21).”
E
deu uma outra explicação maravilhosa, que o oposto da misericórdia não é a
justiça mas a vingança que tem de ser desmistificada e erradicada da
sociedade que sofre horrivelmente por causa de vinganças.
Agora,
para finalizar:
“Há somente uma coisa que realmente pode salvar o mundo: a
misericórdia! A misericórdia de Deus pelos homens e dos homens entre si.
Ela pode salvar, em particular, a coisa mais preciosa e mais frágil que há
no mundo neste momento: o matrimônio e a família.
Acontece no matrimônio algo semelhante ao que aconteceu na relação
entre Deus e a humanidade, que a Bíblia descreve, precisamente, com a
imagem de um casamento. No início de tudo, dizíamos, está o amor, não a
misericórdia. A misericórdia só intervém depois do pecado do homem. Também
no casamento, no início não há misericórdia, mas amor. As pessoas não se
casam por misericórdia, mas por amor. Depois de anos, ou meses, de vida em
comum, revelam-se os limites pessoais, os problemas de saúde, do dinheiro,
dos filhos; intervém a rotina, que apaga toda alegria.
O que pode salvar um casamento de escorregar para um poço
sem fundo é a misericórdia, entendida no sentido completo da Bíblia, ou
seja, não apenas como perdão recíproco, mas como um “revestir-se de sentimentos
de ternura, de bondade, de humildade, de mansidão e de magnanimidade” (Col
3, 12). A misericórdia faz com que ao eros se junte o ágape; ao amor de
busca, o de doação e de compaixão.”
Doação, compaixão e ternura entre os cônjuges!
Que bom seria se estas verdades se fossem espalhando entre nós, pois muitas
vidas tomariam outro rumo, o da felicidade!
Por todas estas aprendizagens
que nos vão chegando para matar as nossas necessidades de vida plena, que
Deus seja louvado!
|
Sem comentários:
Enviar um comentário